No.109
Leonardo Barbosa da Fonseca nasceu no Rio de Janeiro no verão de 1994. Sua mãe, Nildes Helena Barbosa Paschim, a “Dona Nina” viria a ser abandonada pelo pai de Leonardo anos depois, quando ele não passava de um pré-adolescente. Natural de São Pedro do Ivaí, município brasileiro localizado na região norte do estado do Paraná, Nina, desempregada, sem parentes no Rio e morando em uma favela, se viu compelida a voltar para o interior paranaense para poder voltar a ter uma vida decente.
O filho de Nina possuía sintomas como irritabilidade, mudança rápida de humor e choro fácil. Aos sete anos de idade foi diagnosticado com depressão infantil. Essa doença geralmente é causada por situações traumáticas, principalmente quando persistentes ou recorrentes, como discussão entre familiares, divórcio dos pais, mudança de escola, falta de contato da menino com os cuidadores ou a morte dos mesmos. Adolescente, o jovem Leo se descobre transexual, passa pelo processo de mudança já iniciando sua readequação de gênero com uma terapia hormonal e adota o nome de Nathália Letícia Barbosa da Fonseca. Pobre, passa a fazer programas para sobreviver.
Depressão e ansiedade podem ser sinais de um tumor cerebral. O paciente também pode se tornar desinibido ou agir de forma completamente diferente da que lhe é habitual. Mudanças na personalidade podem deixá-lo temperamental, ineficiente no trabalho, confuso, reativo e explosivo. Um pacote pouco compatível com um trabalhador sexual que se sustente fazendo programas.
O dia a dia de Nathália é pouco ortodoxo. Confusões com cliente são quase diárias. O clímax foi atingido em 2012, quando Amanda Larrara e ela foram presas em Maringá, deram entrevista ao programa “Radar de notícias” e em meio a um turbilhão de comentários chulos, lançaram o bordão “Isso é abuso de travesti!”. Nathália, sob o pseudônimo de “Yasmin Fonte”, se tornou nacionalmente conhecida.
Junto da fama, veio a possibilidade de prisão. A personalidade errática de Nathália se tornara conhecida. Em 27 de dezembro de 2014, avisou para todas as suas comparsas que ao serem perguntadas sobre seu paradeiro, deveriam dizer que ela se foi. O problema é que não combinou a causa da morte.
Questionando todas as suas amigas pelas redes sociais sobre o que havia acontecido com ela, cada uma contava uma história diferente. Amanda Larrara Bahls, a mulher trans que aparece e foi presa com ela nas reportagens sob o pseudônimo de “Fernanda Souza”, falou que ela havia sido assassinada pelo ex-namorado com 25 tiros. Uma outra chamada Ruana Rios, disse que ela havia sido esfaqueada. Bruna Sady alegava que o carro onde ela estava caiu de uma ribanceira e uma outra transex afirmava que Nathália estava enterrada num cemitério de Campo Mourão onde, pasmem, não havia nenhuma Nathália, nem Yasmin, nem Leonardo e nem nenhum nome fantasia dela na lista de túmulos. Agora ela fazia programas sob a alcunha de “Bia” em um município chamado Campo Mourão.
Fingir a própria morte jamais funcionaria. “Bia”, simplesmente não consegue parar de aprontar. Anunciando no site “Boneca Classe A” com o nome de “Bruna Surfistinha”, “Bia” agora tem um esquema de roubo em um conluio com os funcionários do Motel Chateau Damour. No telefone ela dá o preço de R$ 150,00, ao vivo acrescenta mais mil reais, fala que o cliente não escutou direito na ligação e o valor do programa sobe para R$ 1.150,00. Os funcionários do motel emprestam até a maquininha do cartão para ela e cobram dela 30% dessa extorsão. Graças a essa nova armação, ela passa a ser alvo do GAECO - Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado. Ela chega a ser presa e posteriormente libertada.
Em Campo Mourão, dia 16 de fevereiro de 2017 por volta das 20h15 perto de uma transportadora localizada próximo do Posto Andrade, Nathália se aproximou de um chester perguntando que horas era e em seguida se ofereceu para um programa sexual com ele. Como ele recusou, ela sacou uma faca e mandou ele segui-la até um automóvel, um Renault/Megane, que era conduzido por outra travesti. Com olhos tapados e sentado no banco de trás, ele foi ameaçado e seguiram para um bairro longe dali, que a vítima acredita ser o Araucária, onde as duas travestis o ameaçavam exigindo por dinheiro, dizendo que queriam R$ 1.500,00. Como ele afirmou não possuir tal quantia, as duas marginais, usando uma máquina de cartão, transferiram R$ 150,00 que ele possuía no banco para a conta de Leonardo Barbosa da Fonseca, que a PM constatou tratar-se do travesti Bia, muito conhecido por envolvimento em várias ocorrências policiais. A vítima foi jogada fora do veículo nas proximidades do Bar do Italiano, de onde seguiu até o seu local de trabalho, lá pegou sua moto e foi para sua residência, de onde acionou a Polícia Militar. Buscas foram realizadas, mas os acusados não foram localizados.
No.110
Nathália sentia dor de cabeça intensa, como uma pressão no crânio, acompanhada de náuseas, vômitos (especialmente ao acordar), visão embaçada, sonolência, tinha convulsões, perda da audição, da visão e dormência em partes do corpo. Às vezes, era difícil executar tarefas simples, como escovar os dentes. Em maio de 2020, após uma ressonância nuclear magnética do crânio, descobriu um tumor maligno no cérebro.
A morfina por via oral é considerada como o remédio de escolha pela OMS para o tratamento da dor crônica de intensidade moderada a severa relacionada ao câncer, e foi isso que o médico receitou para ela em paralelo com corticosteroides, que a ajudariam a reduzir o inchaço do cérebro, além de aliviar dores de cabeça e outros sintomas. Eles afetam o metabolismo e a forma como o organismo deposita a gordura levando à um aumento e redistribuição da gordura corporal, que pode se acumular principalmente no abdômen, rosto e atrás do pescoço. Nathália em suas últimas imagens aparece extremamente inchada e gorda.
De volta ao colo da mãe em São Pedro do Ivaí, Nathália passou a ganhar seu dinheiro se prostituindo na Avenida Romeu Domingues de Oliveira, no Jardim Juju. Desesperada por dinheiro para custear seu tratamento em uma cidade tão pequena e com tão poucos libertinos, a mulher trans agora fazia programas e filmava os “clientes”, para depois extorqui-los. Em algumas ocasiões, inventava ter feito programas sexuais com pessoas que jamais haviam saído com ela. Havia 21 boletins de ocorrência narrando situações semelhantes. Ela já estava com mandado de prisão pelo crime de extorsão, decretada após pedido do delegado-chefe da 17ª de Apucarana, Marcus Felipe da Rocha Rodrigues. Bia tinha várias rixas por conta de desacordos comerciais e causou muitos constrangimentos. Ela tinha registrado boletins de ocorrências contra várias pessoas travando um tipo de Lawfare. Ela havia aberto inclusive diversos processos de danos morais, até contra repórteres que noticiavam suas confusões.
A gota d'água para Nathália veio por causa de um cheque. Um empresário de Apucarana teve roubado um cheque que ele havia pago para uma outra empresa de Cambé. Ela subtraiu este cheque e por ele, ela conseguiu chegar em sua empresa e foi lá cobrar o valor do cheque. O dono da empresa disse: “eu não vou te pagar porque este cheque foi sustado, foi roubado”. Ainda assim ela queria receber o valor do cheque e começou a fazer um vídeo dizendo que ele teria se relacionado com ela e que teria sustado o cheque para não pagar o programa. O vídeo se espalhou pelos grupos de WhatsApp do município e o empresário ficou com fama de “pegador caloteiro de travestis”. A investigação apontou que o chester era inocente, ou seja, um entregador recebeu cheques e teve as folhas furtadas, por isso, solicitou que fossem sustados. Familiares do empresário receberam o vídeo, ficaram inconformados com a injustiça e juraram vingança.
Sábado, na tarde de 3 de outubro de 2020, na Avenida Romeu Domingues de Oliveira, no Jardim Juju, em São Pedro Do Ivaí, Bia estava na calçada quando dois homens chegaram em um carro e efetuaram pelo menos oito disparos. Foi atingida na cabeça, no tórax e morreu no local do crime. Antes de fugir, os suspeitos ainda agrediram uma testemunha com socos. Horas antes do crime, um dos assassinos procurou a Polícia Militar (PM) e registrou um boletim de ocorrências contra a travesti, alegando que a travesti teria danificado o carro dele, jogando pedras no veículo e quebrando o para-brisas. Além disso, o chester afirmou que ele e a família estavam sendo ameaçados por ela.
Dois homens que são cunhados se apresentaram na Delegacia de Jandaia do Sul durante a semana do assassinato e assumiram que mataram Bia a tiros, alegando que estariam sendo ameaçados de morte e de extorsão pela travesti. Como já havia expirado o prazo de flagrante (a prisão em flagrante só pode ocorrer nas primeiras 24 horas após o crime), os dois foram ouvidos e liberados para responder o processo penal pelo homicídio da travesti de 26 anos, em liberdade.
No momento em que o corpo de Nathália era velado, ladrões entraram na casa onde sua mãe vivia em São Pedro do Ivaí, reviraram tudo, quebraram coisas, vandalizaram o local e também praticaram furto no imóvel, levando muitas coisas da finada travesti e de sua mãe, tudo avaliado em cerca de R$ 15 mil.
No perfil no LinkedIn de Nathália Letícia Barbosa da Fonseca, permanece a descrição até hoje: “Desempregada, na (empresa) Nunca trabalhei (por causa do) preconceito.”